quarta-feira, 18 de novembro de 2015

NOTA OFICIAL: MORRO DOS CARRAPATOS


Recentemente, a mídia vem noticiando a situação da ocupação urbana Morro dos Carrapatos, na zona leste de Londrina, na tentativa de demonstrar a situação das dezenas de famílias que ali residem. Pensando em ser o mais fiel possível à realidade deles e em fazer que se conheça a luta que ali empreendem nós, da LAJUP, entramos em consenso a respeito da redação desta nota como uma síntese da situação do Morro.
Há mais de 10 anos, os primeiros desterrados chegaram ao Morro dos Carrapatos carregando com suas mão de trabalho o pouco que tinham. Recolhendo materiais recicláveis e trabalhando na construção de suas moradias, além do labor que lhes rendia o sustento, os barracos foram erguidos na base do suor e da necessidade. Aquilo que muitos têm como o básico, dado e incontestável em suas vidas era (e ainda é) o sonho das mais de 45 famílias do Morro dos Carrapatos.
O direito à moradia é constitucionalmente garantido e covardemente suprimido. O problema, que é tratado de maneira a culpabilizar os trabalhadores desabrigados, não é uma questão exclusiva do Morro dos Carrapatos. É a violação de um direito fundamental reconhecido e proclamado por legislações e tratados internacionais: é um ato de desgovernança e descaso para com o povo.
Em nosso país, a classe social não é uma escolha, principalmente para os mais carentes. O que se vê é uma condenação falsamente legitimada pelo discurso excludente e tendencioso da meritocracia. Ninguém está lá porque tem condições de viver confortavelmente em outro local, mas decidiu ocupar mesmo assim. As condições sub humanas a que são submetidos não comportam o fator “escolha”. Só comportam a real e latente necessidade e uma admirável luta e ânsia pela vida.
Desde que chegaram, os moradores exerceram a posse do terreno sem impedimentos. Exerceram todos os atos típicos desta: lá vivem, dela cuidam e nela e com ela trabalham. Ocupam, pois; não invadem. Por anos, não souberam a quem pertencia o terreno. Quase toda terra neste país já tem um titular. Mas foram anos e anos de moradia sem sinal nenhum de um suposto dono e, assim, lá seguiam suas vidas e seus trabalhos regados a empecilhos.
Para chegarem até suas casas, Passam pelo inclinado fundo de vale, por sua mata e por um riacho. Os dias são difíceis. O calor não encontra barreira nenhuma para adentrar as pequenas habitações. Não há luz, nem água, nem esgoto. Chuvas e ventos causam grandes estragos e os caminhos de terra batida que eles mesmo abriram para chegar até lá são perigosos.
Nós, do Lutas Assessoria Jurídica Popular (LAJUP), tomamos conhecimento da situação em 2014, quando, por intermédio do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), fomos contatados por uma moradora. Desde então, atuamos junto à comunidade em busca de soluções, direito e dignidade. Os desdobramentos foram vários: muitas reuniões com a comunidade, com a Companhia de Habitação (COHAB), com o CRAS e outros órgãos da assistência social. Há pouco tempo, chegou aos moradores uma ordem de despejo, que liminarmente, determina a desocupação do Morro no prazo de 45 dias.
A ação, ajuizada pela Construtora proprietária do terreno, alega que o terreno foi “invadido” e clama a posse e a propriedade do terreno. Alega que em breve começará um empreendimento, em parceria com a COHAB, o qual fornecerá mais de seiscentas moradias populares. Instigante é, no entanto, que esta posse nunca foi exercida. A despeito disso, a concessão do juiz comportou ainda a autorização do uso de força policial, desde já, caso famílias ainda estejam lá quando do fim do prazo.
Mais da metade das famílias que estão vivendo no Morro têm cadastro na COHAB, mas a princípio não seriam contempladas com as casas que serão onde construídas onde vivem. A COHAB tem um sistema próprio para a distribuição de moradias que é baseado no sorteio.
Sendo assim, o empreendimento popular que “atenderá às classes menos abastadas em prol de suas moradias" deixará na rua mais de 100 seres humanos. A ironia é assustadora. Quanto ao destino destas famílias? Nenhuma providência. Para onde vão? Até agora, a única opção além do Morro é a rua.
A exclusão dos privilegiados grita seu poder àqueles que tiveram sua voz arrancada e massacrada pela realidade. É uma luta que se impõe de maneira desigual e que é tão difícil quanto imprescindível. Nosso trabalho junto a comunidade tem sido, acima de tudo, no sentido de que sejam ouvidos. São eles os protagonistas desta luta, não nós.
Nossa tarefa tem como objetivo empoderá-los. É em momentos como estes, em que nossos conterrâneos têm a terra e a dignidade negada que devemos entrar em ação. O povo pode impedir esse despejo, e nós somos o povo. Não se pode deixar que injustiças, porque ocorridas na periferia, passem despercebidas. Estamos tratando de algo muito maior que uma disputa judicial. É uma busca constante em prol de todos nós, humanos, na lutas por direitos também humanos,e a que pouquíssimos têm acesso.

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