quarta-feira, 29 de abril de 2015

[OPINIÃO] UM BASTA AO TRONO DE OURO: OS RESPONSÁVEIS SERÃO LEMBRADOS

Um texto sobre o momento dramático provocado pelo governo do Estado do Paraná, 
por Guilherme Uchimura​ e Renato Lima Barbosa​


Foto de 28/04/2015, Leandro Taques
A sociedade paranaense tem observado muito bem o grande conflito travado entre o governador Beto Richa e os servidores públicos estaduais. Essa é uma história que pode ser contada a partir das vésperas da eleição de 2014, quando o então governador declarava que o caixa estava “em ordem”, apesar de saber há muito tempo que tudo indicava uma crise financeira iminente. Com cinismo despudorado, a máscara logo caiu com a reeleição e a urgência de um ajuste fiscal para equilibrar as contas do estado no apagar das luzes de 2014. Empreendendo a política do “tratoraço” a partir do mês de dezembro, Richa aprovava uma série de medidas para aliviar as finanças de seu governo. Mas ainda insistia (e insiste) no que parece ser a menina dos olhos de seus ataques: o capital acumulado no Fundo de Previdência, o fundo de capitalização atualmente responsável pela aposentadoria dos servidores estaduais ingressos a partir de 2004.

A primeira tentativa de pegar esse dinheiro, como resultado de uma inesquecível resistência popular na ocupação da Assembleia Legislativa, foi arquivada junto com o PL 60/2015. Agora, a nova proposta do governador (PL 252/2015) é deslocar 33.556 aposentados do Fundo Financeiro para o Fundo de Previdência. Isso nada mais significa que transferir a responsabilidade de gastos do Tesouro Direto para a “poupança previdenciária” dos servidores estaduais mais recentes, deixando o caixa estadual mais livre para outros gastos.  Como contrapartida, há a previsão no mesmo projeto de que o Poder Executivo devolverá esse dinheiro com o tempo. O que faz logo a base de servidores se perguntar: em primeiro lugar, quem seria louco de confiar um empréstimo dessa importância a alguém reconhecidamente caloteiro? Em segundo lugar, qual é a legitimidade do governador para dizer que o direito fundamental à aposentadoria (CF, art. 6º) é menos importante do que os misteriosos projetos do seu governo?

Foi diante desse cenário que, novamente, diversas categorias de servidores públicos estaduais, inclusive os professores da UEL, se mobilizaram para enfrentar esse novo ataque do governador. Apesar de noticiar que o projeto foi extensamente debatido, a verdade é que o governo se negou a verdadeiramente promover a negociação coletiva, pelo menos com o SINDIPROL/ADUEL, violando frontalmente a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho.

Já os episódios que aconteceram durante essa semana, aos arredores da Assembleia Legislativa, foram tão lamentáveis a ponto de, talvez, constituírem a chave para melhor compreender toda essa história. Para começar, uma imagem que remete tão-somente aos regimes ditatoriais: com a força máxima da Polícia Militar, aquela que um dia se dizia a “casa do povo” foi cercada por um pelotão armado. Centenas e centenas de policias fardados: a violência fotografada em uma imagem que, definitivamente, nunca se cicatrizará na história deste estado.

Charge de Paixão para a Gazeta do Povo

28/04/2015



Foto de 28/04/2015, Leandro Taque

Do lado de lá dessa inusitada fronteira humana, os deputados estaduais aprovavam em primeira votação o PL 252, apressadamente o encaminhando à segunda votação, seguindo um acelerado regime de urgência. Do outro lado do cerco, as redes sociais denunciavam ao longo de uma terça-feira melancólica a violência sofrida pelos que estavam lá, protestando do lado de fora da Assembleia: jatos de água, spray de pimenta, gás lacrimogênio e bombas de efeito moral lançadas aos trabalhadores grevistas. Soldados, com armas e escudos empunhados contra professores de “alta periculosidade”, promoviam a trilha sonora deste filme de guerra, enquanto os parlamentares discutiam do lado de dentro a liberação do dinheiro capitalizado no Fundo de Previdência.


O conflito ainda não terminou. A votação final do PL 252 ainda será realizada, possivelmente ainda hoje, quarta-feira. Mas algumas coisas, tateando a obscuridade do fenômeno político através da materialidade da greve, já pudemos melhor compreender. Fica muito clara a fragilidade da democracia e da própria divisão dos poderes diante das possibilidades oferecidas pelo jogo eleitoral. Com algum trunfo que ainda nos é difícil afirmar, o Poder Judiciário tende a servir de degrau para as vontades do nosso déspota. Com a promiscuidade da troca de votos por verbas e favores, os parlamentares empurram o governador para o vértice mais alto de uma triangulação política desigual. O absolutismo se estabiliza nesse palco como a falsa democracia eleitoral, na qual só resta aos eleitores a exclusão, o lado de fora do cerco. A crise de representatividade e a necessidade de uma reforma política popular fica cada vez mais clara.


Foto de 28/04/2015, Joka Madruga
Mas, apostando nessa suposta estabilidade institucional, o governador pode estar certo que o confronto por ele iniciado não lhe renderá o trono de ouro nem um reinado calmo sobre nosso estado. Ainda que aprovado esse projeto, é inegável que está eivado de inúmeras fragilidades legais e constitucionais, entre as quais o fato de não respeitar as diretrizes do Ministério da Previdência Social. Mas muito além da dimensão (anti)jurídica do embate, a comunidade paranaense nunca se esquecerá da violência, da irresponsabilidade e inconsequência, do imediatismo, do cinismo de um menino mimado, da sua aspiração ao despotismo, dos atropelos, da falta de transparência e do desrespeito frontal aos trabalhadores desse estado. Os deputados que, com seus votos favoráveis ao PL 252, se juntarem a essa forma arbitrária de governar também não serão esquecidos. Terão sofrido um desgaste do tamanho de seu descompromisso com o povo ao aprovarem, depois de um suado cálculo do “coeficiente eleitoral”, este projeto de lei que não interessa a ninguém senão ao mandatário atual do Poder Executivo. A partir daí, das duas uma: será uma lei fadada à ineficácia por ser incompatível com o ordenamento constitucional, ou será o início de um desastre financeiro para os servidores estaduais e para os futuros governadores do Paraná. Em qualquer caso, os responsáveis serão lembrados.


Renato Lima Barbosa
Professor

Guilherme Cavicchioli Uchimura 
Advogado, pesquisador, colabordador externo do Lutas Londrina

Curitiba, 29 de abril de 2015.

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